sexta-feira, 26 de maio de 2017

CHEGA UMA HORA EM QUE A POESIA NÃO BASTA


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Ontem à noite eu escrevi uma frase que pode ser um pequeno poema, movido por alguma coisa que não sei explicar. Não foi um momento literário. Foi como se, de repente, eu despertasse para o mundo sem saber ao certo que rumo deveria tomar. Como se, de repente, eu me desse conta de todos os absurdos que me rodeiam. Como se, de repente, eu tivesse criado asas para voar de mim. Como se, de repente, eu caminhasse dentro de mim vendo os espelhos em minha volta, todos quebrados com imagens que não me pertencem mais. Peguei meu caderno pensando que iria escrever um poema longo para o livro que escrevo agora "O Colecionador de Pedras". Mas não. Não seria um poema longo. Escrevi apenas: "A poesia é nada. Um equívoco. E os poetas mentem. Poeticamentem". E parei aí. Nem mais uma palavra. Depois senti que essa frase ou pequeno poema dizia tudo o que eu estava sentindo, que é exatamente isso. Não me compreendo falar de poesia num mundo assim. Não há como compreender. Está tudo muito longe. E a distância mede exatamente a medida de todas as coisas. Fiquei quieto comigo mesmo. Depois me lembrei de um poema antigo chamado "Poético", que está no meu livro "Terminal", publicado em Curitiba, em 1999, 1a. edição. Fui então para minha biblioteca e li o poema. Senti que é assim mesmo. Senti mais profundamente, somente agora, um poema publicado em 1999. Deixo então esse poema aqui. Ele fecha esse momento que senti ontem à noite, como se tudo tivesse explodido em minha volta.
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POÉTICO
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Chega uma hora em que a poesia
não basta em si,
chega uma hora em que a poesia
não basta em ti.
Chega uma hora em que a poesia
não basta em mim.
Chega uma hora em que a poesia
não basta.
Chega uma hora em que a poesia
não basta em nada.
Chega uma hora em que a poesia
não basta.
Não basta porque a poesia
não basta,
como se desnecessária.
Como se desnecessária
chega uma hora em que a poesia
não basta em.
Não basta aquém,
não basta além.
Chega uma hora em que a poesia
não é.
Não é poesia,
se assim fosse, seria.
Chega uma hora em que a poesia
não basta, não chega.
Chega uma hora em que a poesia
se mata em si,
dentro dela,
no próprio avesso,
no cofre de sua palavra,
o que não se alcança.

Chega uma hora em que a poesia
não dá.
Chega uma hora em que a poesia
não.